O que nos diz a conversão de São Paulo a nós romeiros e romeiras da IV Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho?
Consideremos o que acabamos de ouvir na Palavra de Deus.
Nos Atos dos Apóstolos, através do próprio São Paulo, conhecemos a experiência de sua conversão. Um profundo amante e observador das leis de Deus. Apegado aos seus ritos e tradições, jogou-se na estrada das perseguições dos novos cristãos. Cego pelo ódio, caiu do cavalo de suas prepotências. E necessitou da ajuda de Ananias para elaborar os raios da nova luz. Da novidade da lei maior, o mandamento do amor. Que o levou a ser um grande poeta da caridade, como nos contou em sua carta aos coríntios. “Sem amor, eu nada seria”. Ou o profundo profeta da liberdade, em Cristo, como escreveu aos gálatas. Missionário fundador de várias comunidades, exaltou a diversidade dos carismas. Tudo foi criado por Ele e para Ele, sendo que toda criação carrega consigo uma marca crística.
No Evangelho de Marcos, escutamos o entusiasmo de Jesus, “ide fazer discípulos meus”. E que o lugar de quem tem a identidade de cristão, é o da cura, do cuidado, da solidariedade e da fraternidade. Diante dos males, dos demônios que ferem a vida, somos povo da guarida. A Igreja em saída, como nos pede o Papa Francisco. “Ide”, para o discípulo de Jesus, é imperativo central. Peregrinos de um reino que não tem fronteiras geográficas e nem afetivas. De outra ordem, não a dos muros, mas das pontes. Da justiça e do perdão.
Hoje, nessa travessia cultural, também vivemos nossas cegueiras. Apegos a ideias e modos de vidas velhos. Leis que não servem para mais nada ou que matam pela rigidez. Que precisam ser superadas, na acolhida da graça divina em nossos tempos. A maior velhice que carregamos é que andamos enxarcados por um sistema global que está matando a vida em nome do capital. E, em muitos casos, usando o nome de Deus. De fato, o que mais vemos? A idolatria do dinheiro. O lucro acima das pessoas humanas e da biodiversidade. Com resultados dramáticos e traumáticos para a sociedade e o meio ambiente. O que fez Papa Francisco dizer, na Laudato Si, que não existem duas crises, mas uma única crise socioambiental. Por isso, o Papa nos indica que “a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços” (nº 1).
Pisamos, hoje, no solo sagrado, que é testemunha dessa desastrosa economia da morte. Lugar da engenharia criminosa que se chama Vale, que matou 272 joias e destruiu a bacia do Rio Paraopeba. Território também onde habita tanta gente do bem, da resistência. Que busca fazer do “luto de cada um” uma “luta comum”. Recriando os cenários da morte em espaços de ressurreição.
Outra vez escutamos Jesus nos enviando, como enviou Paulo e tantos outros discípulos(as). A partir para o combate de verdadeiros demônios que são as barragens em risco de rompimento. Ou das violentas estratégias das mineradoras que insistem com suas táticas de guerras. Somos chamados pelo Senhor a participar de seu reino. A dizer não ao racismo ambiental, ao preconceito contra os defensores de direitos humanos e da natureza, à exclusão de nossos povos indígenas e quilombolas. Na certeza de que não podemos viver uma vida saudável num planeta doente. Somos convocados a uma conversão ecológica.
Então, sigamos em frente. Essa quarta romaria é lugar oportuno para nos reconhecermos como irmãos e irmãs, cuidadores da Casa Comum. Em nós, já tem nascido um mundo novo. Que guarda, com reverência perigosa, a memória de nossas 272 joias. E dizer que não apoiamos memoriais gestados por quem as matou. Porque elas são nossas sementes preciosas. Onde nossas joias não puderem entrar, também não estaremos nós. Memória de todas nossas lutas, executadas pelos nossos coletivos, movimentos sociais e comunidades eclesiais.
Somos discípulos de Jesus para pedir justiça. Que é distinta de vingança. A impunidade é uma erva daninha que autoriza o crime. Basta de anistias. Porque elas somente servem aos ricos com seus empreendimentos perversos. Exigimos julgamentos, prisões, mas sabemos também que, na ordem de nosso amor, somos envolvidos pelo perdão. Uma justiça divina, sempre barra as cadeias da violência. Não haverá, portanto, justiça, se não tivermos disposição para viver reconciliados. Que significa converter o erro em mudanças. Na relação entre nós humanos e com a natureza. Se não houver planeta para a gente viver, não haverá planeta pra gente lutar. Como podemos acreditar em reconciliação se o rio continua poluído?
A hora é nossa, romeiros. De reconhecer que existem alternativas e elas estão no entre nós. Que vivemos da agroecologia, do cultivo de nossas fontes de água, do turismo de nossas belezas naturais, de nossas serras e montanhas, da espiritualidade profunda de nossas comunidades tradicionais, da ancestralidade de nossos povos tradicionais e das florestas e tantos outros caminhos. Há horizontes novos abertos por nós. Resta-nos a coragem de defendê-los e ajudar aos que ainda andam cegos pelas leis antigas. Vejam a economia de Francisco e Clara. Deveria ser a nova pastoral de cada uma de nossas paróquias e comunidades. O pacto pela educação. Tudo isso faz parte de nossa doutrina socioambiental.
Que Nossa Senhora do Rosário, mãezinha dos pretos, ampare-nos em tantas batalhas. Mas, para que não seja tão pesada a lida, que ela nos ensine o gingado dos quilombos, para garantir a resistência ancestral de seus tambores, a arte das arpilleras, para bordar um tecido novo da sociedade. E, sobretudo, que Maria nos ensine um novo tempo de feminilidade porque nosso machismo cultural se deu mal. Coragem! Ainda que não experimentemos as colheitas, é fundamental que permaneçamos sementes. Axé. Awêry. Amém.
25 de janeiro de 2023.
Dom Vicente Ferreira.